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domingo, 22 de maio de 2022

O VIVARTISMO, OU O LEVANTE PERMANENTE DOS OPRIMIDOS DAS ARTES ALAGOANAS


É inadvertido ver o vivartismo, enquanto movimento, como um fracasso. Mesmo o Grupo Vivarte (1984-85), que lhe empresta o nome, e que, como qualquer movimento, teve um começo, um meio e um fim, jamais poderá ser considerado um fracasso. O Grupo Vivarte aconteceu, assim como as Mostras Alternativas  das "Cruzadas Plásticas", e/ou qualquer outro evento que busque romper a couraça do conservadorismo alagoano, porque o vivartismo viceja nas rachaduras do poder opressor. Nessa análise comparativa com a Semana de Arte Moderna de 1922, esquece-se os contextos sócio-histórico e econômico daquela e, principalmente, esquece-se do mais além, relativo a todo e qualquer movimento na civilização e cultura humanas.

E por falar em mais além, não se pode esquecer um dos eventos mais icônicos do movimento vivartista que foi o lançamento da Cruzada Plástica (catálogo amarelo) que ocupou toda a edificação do belíssimo Teatro Deodoro, no centro de Maceió. Naquele evento, ao qual estive presente, pôde-se comprovar a grandeza da organização e da produção do evento, e a sua importância para a “pacata” e taciturna capital das Alagoas. Um misto de espanto e êxtase tomou conta de todos os espectadores e espectadoras, e com certeza estou projetando minha própria visão, acostumada com as águas mornas e insossas da cultura local.

A Semana de 1922, surgida na pauliceia desvairada, onde havia e continua havendo uma grande circulação de capitais, onde os envolvidos naquele movimento pertenciam à pequena burguesia, e cujo poder local se esforçava para se antenar com o mundo exterior. Não é um dado irrelevante o fato de que determinado participante da semana de 22 não pode participar presencialmente da semana de 22 porque, na época, estava em Paris. Então, são fatos que corroboram, em certa medida, a amplitude e a abrangência da semana de 22 no Brasil.

O vivartismo, por sua vez, alagoano-caeté, e por ser caeté já nasceu assassinado, é um movimento que está para muito além da questão das artes plásticas. Pelo menos, essa é a percepção que tive na época, e que tenho ainda hoje. Eu diria até que o “fracasso” do vivartismo  é exatamente a sua vitória, porque enquanto movimento contestador de um conservadorismo radical, ele não poderia ter melhor destino, ou seja, a sua tentativa de apagamento no fio dos anos, e foram diversas tentativas, denuncia esse conservadorismo. Eu não tenho a menor dúvida, ou mesmo o menor pudor, em considerar o conservadorismo alagoano como algo tão radical, a ponto de transformar um movimento contestador, na estética de um fracasso plástico. O vivartismo é, portanto, uma denúncia radical de um conservadorismo radical que viceja naquela terra paradisíaca chamada Alagoas.

Num momento tão crucial de nosso país é interessante se pensar, não só o Vivartismo, mas todo e qualquer movimento que denuncie a opressão e o totalitarismo. Neste momento, relembramos os 200 anos de uma independência que jamais o foi de fato, ou que não nos tirou absolutamente da dependência do grande capital internacional. Tentativas houve, mas foram todas extirpadas pelo poder conservador de uma elite emocionalmente dependente do mundo exterior, e que mantem a ocupação predatória que fundou o país há 522 anos. É, portanto, uma independência bastante relativa, apesar desses 200 anos. A semana de 22, enquanto movimento contestador, que balançou toda a cultura nacional, e também está para muito além da questão das artes plásticas e da literatura, completa 100 anos, e assim como o vivartismo o foi e o é, até os dias atuais, movimento contestatório do conservadorismo.

No Brasil, hoje, vive-se um momento crucial de enfrentamento a esse conservadorismo, ou mais que isso, enfrentamento de forças neofascistas que trabalham para o embotamento da cultura, das artes, da ciência, da intelectualidade, e de qualquer pensamento libertário. E esses três eventos, que são três movimentos culturais na busca pela liberdade convergem hoje, e é de grande importância se falar e se pensar e repensar todos eles, como bandeira e como forma de enfrentamento desse conservadorismo que é destruidor de liberdade, e de qualquer movimento que aponte para a igualdade e a fraternidade, fazendo um link com os ideais burgueses trazidos pela Revolução Francesa, e que por sinal também jamais foram alcançados pela cultura humana.

O vivartismo é importante, não apenas pela sua busca de renovação nas artes plásticas, mas pelo seu enfrentamento ao conservadorismo radical que um dia dizimou os Caetés. Ele é, muito antes do chamado Grupo Vivarte, e ele será sempre, enquanto houver possibilidades de rasgos na imensa couraça produzida e mantida pela velha senhora para conservar seu status quo e sua dominação sobre os filhos da terra que, por ventura, ousarem contestá-la. Não esqueçamos que os primeiros filhos dessa velha senhora foram, todos, eliminados a mando de sua madrasta, Maria I. E que assim, inaugurou-se uma espécie de genocídio estatal, que nos remete ao mito de Chronos, que engolia seus filhos ao nascer, temendo que estes lhe tomassem o poder.

Mas, como não é possível entender qualquer ação no presente sem buscar na história suas raízes, e como já citamos o genocídio Caeté, vamos dar outro salto para trás, um salto bem grande no tempo, até os fatos que propiciaram a transformação dos alagados do sul da capitania de Pernambuco no atual Estado de Alagoas. O fato que antecedeu a emancipação do Estado de Alagoas foi um movimento revoltoso e contestatório, surgido na então Capitania de Pernambuco, contra as altas taxas de impostos cobradas pela coroa portuguesa. Pois bem, foram os latifundiários dos alagados do sul, atual localização do Estado de Alagoas, que, ao se posicionarem ao lado da coroa portuguesa, em detrimento da contestação dos revoltosos da Capitania, receberam como prêmio a sua independência e a sua emancipação daquela capitania. E assim nasceu, de direito, a partir de uma traição ao povo, a velha senhora Alagoas, cheirando a delicioso melado, ou a nauseante vinhoto no seu íntimo, ou a sargaço e sal, a depender da perspectiva com que se a mire.

Em se tratando de conservadorismo e mão de ferro da oligarquia alagoana, também não é possível esquecer que dois marechais do exército, braço armado do Estado brasileiro, oriundos da Velha Senhora, inauguraram, com um golpe de Estado militar, a nossa República, e que a partir de então, esse braço armado tem, há pelo menos 133 anos, ora assumido o protagonismo de nossa “democracia”, ora tutelado a mesma. Mão de ferro alagoana que se fez presente no sul do país, quando para “mostrar quem manda”, Floriano Peixoto renomeou a Vila de Nossa Senhora do Desterro em Florianópolis, após abafar uma revolta local. Mas a resposta ao ditador veio muito tempo depois de forma artística e floral, quando se começou a chamar extraoficialmente a “sua” cidade de Floripa. Tenho absoluta certeza de que Floriano, o chamado marechal de ferro, não aprovaria esse apelido para si.

O texto em questão nos traz bastante curiosidades, algumas inéditas para mim, sobre este alagoano que não é apenas um contestador, nem mesmo apenas um anatomista, mas um corajoso e atento observador da fisiologia do conservadorismo local, conservadorismo esse que se renova a cada dia para que as coisas permaneçam sempre as mesmas. Conservadorismo radical, onde as mudanças, por mais relevantes que possam ser, continuem sendo fracassadas, e onde o mesmo poder econômico opressor seja, mesmo que não seja mais. Ou pior ainda, que seus representantes sejam sem jamais ter sido.

Imagem: Foto de uma representação pictórica Grupo Vivarte (1984-85) reunido, produzida em 1985-86 (?), por Maria Amélia Viera, líder do grupo. O crédito desta foto é de Celso Brandão. A técnica do quadro é mista: acrílica s/papel e colagem.

Sérgio Moab Amorim de Albuquerque - CRP 08/08067-7

Psicólogo Clinico e Institucional
Formação em Abordagem Psicanalítica, Sociologia Política & Gestão Estratégica de Pessoas

Copyright © 2022 by SÉRGIO MOAB AMORIM DE ALBUQUERQUE All rights reserved

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

PENSANDO DIREITOS HUMANOS




A partir do 1º Ciclo de Cinema e Direitos Humanos 
 
O filme Negação, do diretor Mick Jackson, de 2016, o primeiro do Ciclo, e que versa sobre liberdade de expressão, aprofunda a discussão sobre a liberdade do indivíduo expressar suas opiniões, e traz uma reflexão importante sobre a sustentação da verdade, fundamentada ou não em provas. Poderíamos então nos perguntar, a partir da proposta do filme, o que seria, de fato, a verdade, sem uma prova que a sustente?! Uma verdade sem sustentação probatória escapa inexoravelmente ao campo da verdade, passando a vigorar no campo da fé.

A trama gira em torno de um processo aberto por um suposto historiador, que, de forma leviana, sem provas e movido por sua paixão pelo nacional socialismo alemão, nega a existência do holocausto, contra uma jornalista que o denuncia em seu livro. À medida em que se desenrola a trama, percebe-se a atualidade dos fatos levantados e a relação com os eventos vividos no Brasil e no mundo, na atualidade globalizada.

No Brasil dos últimos tempos, vivemos em um mundo anacrônico e desconectado da relaidade tangível, com a instauração de processos kafkianos de viés político patrocinados pela Justiça, e tentativas de encobrimento dos crimes e dos criminosos que vicejaram durante o período da ditadura militar entre '64 e '85.

Na esteira dessa profunda negação da verdade, presenciamos o nascer de processos sociais que buscam relativizar as desumanidades, praticadas ao longo de nossa história, passada e recente, promovidas contra grupos étnicos específicos de concidadãos, e uma perseguição implacável a indivíduos com orientação sexual diversa da norma em nosso meio. Neste país, definitivamente contaminado por um fundamentalismo pentecostal, sustentado por um pensamento conservador de ultra direita, vivemos uma situação de negação absoluta da intelectualidade, do pensamento crítico, das luzes, e da verdade empiricamente fundamentada.

No momento em que vivemos um processo generalizado de disseminação de fake news, com profunda interferência nos processos democráticos, e tentativas de revisão de diversos fatos históricos, com o objetivo de encobrir graves crimes contra a humanidade, o filme parece bastante atual, e de grande relevância para o pensar dos rumos que tomaremos daqui para frente em nossa conturbada civilização.


O segundo filme apresentado no 1º Ciclo de Cinema e Direitos Humanos, As Sufragistas, de 2015, da diretora Sarah Gavron, trata do movimento de mulheres na Inglaterra nos momentos iniciais do século XX, pelo direito ao voto.

No desenrolar da trama, que gira em torno do gradativo envolvimento da personagem Maud, é possível perceber a condição da mulher naquela época, sem direitos, sem voz e completamente subserviente ao homem, seja em casa, onde exerce uma segunda jornada de trabalho e não tem direito legal sobre os filhos, ou no trabalho, com salários menores que os dos homens, jornada bem maior e muito mais exaustiva e assédio de todos os tipos.
O acesso ao direito do voto, como claramente propõe a personagem principal em uma de suas falas, é a possibilidade de, pelo voto, mudar a Lei, favorecendo a busca de igualdade de direitos entre os gêneros, em uma sociedade naturalmente machista e excludente. Aliás, uma situação que, apesar de alguns avanços dos direitos humanos, permanece inalterada em algumas sociedades dos dias atuais. E mesmo onde há avanços, há uma constante disputa e convivência morna com o machismo e o patriarcado.

Algo que fica evidente no filme é que, apesar da luta empedernida das mulheres pelo direito ao voto, a cultura machista da época, e a desonestidade que alimenta a política, são um entrave ao sucesso de suas reivindicações. Apenas quando há um suicídio diante do mundo, em um evento onde participa o próprio rei, as coisas começam a mudar e, gradativamente, a luta se espalha por outras nações, com consequente vitória das mulheres.

Nos dias atuais, quando há um avanço de forças conservadoras em todo o Globo, com a vitória da extrema direita em alguns países, inclusive no Brasil, essa é um discussão necessária e extremamente importante. No Brasil a extrema direita ascendeu ao poder, pelo voto, com um discurso violento, racista, homofóbico e misógino. Acende-se assim um grande alerta da importância da discussão de temas como este, que balizam em todo o sempre a questão da democracia e do exercício da cidadania.



O terceiro e último filme apresentado no 1º Ciclo de Cinema e Direitos Humanos, Milk, do diretor Gus Van San, trata dos problema enfrentados pelas pessoas LGBTs, e a busca por Direitos que garantam a sua existência como pessoa e cidadãos. Ele narra a trajetória do ativista Milk, que ascende em suas ações pelos direitos da comunidade LGBT, tornando-se o primeiro homossexual assumido eleito para um cargo público na California. Milk é assassinado por sua defesa dos direitos LGBT.

O filme mostra o nascimento de um espaço de expressão que, pouco a pouco, entra em choque com forças retrógradas, numa formação de reação contra a liberdade de expressão e o direito à existência de um determinado segmento social. É exatamente um filme para pensar o direito de ser em uma sociedade, plural em sua essência, mas que insiste em esconder essa pluralidade.

A homossexualidade é uma característica humana, muitas vezes também encontrada nos animais não pensantes, e que pode ser observada na civilização, em formas de expressão diversas, ao longo da história da humanidade.

O processo repressivo observado e combatido na modernidade, tem suas raízes no advento da igreja católica, apostólica e romana, e na idade média. Parece que o paganismo, até por conta da pluralidade de deuses que ostenta em seu Panthéon, era perfeitamente tolerante com a pluralidade de expressões do desejo humano. O monoteísmo transformou essa visão plural, típica da visão politeista, em uma visão monocular que vê o mundo e sua pluralidade natural de forma míope, algo estranho a ser combatido.

A idade das luzes trouxe uma abertura, pela via da ciência, para uma nova visão, em contraponto ao obscurantismo da igreja católica e da idade média. A partir do século XIX, e ao longo do século XX, as luzes buscaram clarear e entender a alma humana, e muitas lutas foram travadas pela afirmação de direitos de diversos segmentos, destituídos, e muitas vezes alijados, de seus direitos civis e de cidadania.


Sérgio Moab Amorim de Albuquerque - CRP 08/08067-7
Psicólogo / Psicanalista / Servidor Público
Formação em Gestão Estratégica de Pessoas / Abordagem Psicanalítica / Sociologia Política
Copyright © 2018 by SÉRGIO MOAB AMORIM DE ALBUQUERQUE All rights reserv

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

PENSANDO DIREITOS HUMANOS


A PARTIR DO 3º CICLO DE CINEMA E DIREITOS HUMANOS
 
A película Utopia e Barbárie, de Sílvio Tendler, de 2009, apesar de um pouco cansativa, pela quantidade de informação condensada na obra, traça um enorme e profundo panorama, dentro do que é possível no contexto de um filme, da luta entre forças antagônicas, que permearam a história da humanidade desde sempre. O filme nos traz, por meio de relatos de artistas, protagonistas dos diveros eventos e cineastas, recortes cinematográficos e observações do próprio diretor sobre a disseminação da barbárie e das chamadas utopias que a ela se contrapõem.

Eventos como a segunda guerra mundial e os crimes de Hitler; a revolução russa e os crimes de Stálin; a revolução cultural na China e o seu desmascaramento, expondo os crimes de Mao; a guerra no Vietnam e a resistência ao imperialismo norteamericano; a guerra do Japão contra a Coreia e a sua consequente divisão em dois mundos; os golpes na América Latina (Argentina, Brasil, Chile e Uruguay) e a carnificina dos regimes totalitários; as revoluções em Cuba, pela força, e no Chile, pelo voto, e as ofensivas brutais do capital com vistas à sua destruição; a resistência utópica dos eventos de maio de '68, na busca pela liberadade e libertação dos costumes; os conflitos no Oriente Médio e o genocídio do povo palestino; a redemocratização na América do Sul, trazendo de volta a esperança em dias melhores; a desconstrução do bloco soviético e o demonte de um sistema opressivo no qual se converteu a revolução de '17, e, finalmente, o avanço livre do capital sobre as nações são alguns eventos que deixam em aberto uma reflexão para além das relações políticas e econômicas na humanidade.

Imediatamente, a partir da exposição dos conflitos e lutas políticas travadas na civilização durante o século XX, e no período que compreende a segunda guerra mundial e a primeira década do século XXI, o espectador é transportado para uma obra clássica da psicanálise, qual seja: O Mal Estar na Civilização, de Sigmund Freud. Durante o filme, tem-se a sensação de estar relendo aquele texto em outro contexto ou corte histórico, tendo em vista o desaparecimento de Freud no início da segunda guerra, em 1939.

A abertura do debate, com a pergunta da professora Rosane Kaminski sobre possíveis formas de resolução do impasse entre utopia e barbárie, nos leva de volta ao texto freudiano acima citado e a um outro texto que lhe é complementar, qual seja: Além do Princípio do Prazer. Ora, ambos os textos nos dizem de uma luta perene na civilização entre essas forças que compoem a dualidade pulsional humana, segundo o pensamento freudiano. E o próprio filme, que se encerra com reticências nos diz dessa perenidade.

E essa perenidade, essa continuidade da luta travada entre a vida e a morte, o bem e o mal, ou utopia e barbárie, está inscrita no momento histórico atual, tanto no Brasil como em todo o mundo. Por toda parte há uma ascensão expressiva do fenômeno fascista, exigindo uma mobilização das chamadas utopias, que urgem se reinventar e se reorganizar, para se contrapor a ele e preservar a continuidade da civilização.

É preciso preparar o estômago para vislumbrar a macabra obra humana, há cenas fortes da obra nazifascista, sem perder de vista que estamos falando do maior predador que jamais existiu, a obra mais destrutiva jamais criada pela natureza, ou por deus, como queiram. São os ciclos de luta intestina da nossa civilização, que se repetem em uma disputa violenta, por vezes até poética, de amor e ódio que, a meu ver, estão representadas nas reticências com que Sílvio Tendler encerra a sua obra.
 
No segundo encontro do 3º Ciclo de Cinema e Direitos Humanos nos foi apresentada a película Ação entre Amigos, do diretor Beto Brant, de 1998, que, ao final, provocou um silêncio sepulcral em toda a audiência. O filme que traz a história de três amigos que nos anos de chumbo (final dos anos sessenta, década de setenta e início dos oitenta) participaram da resistência à ditadura militar, nos coloca uma questão que vai muito além do resgate histórico produzido pela Comissão da Verdade durante os governos petistas, e que é uma questão crucial para o entendimento dos dias atuais no Brasil.

A ação entre os amigos se dá após um dos quatro companheiros descobrir que o torturador e assassino do regime, que os havia torturado e assassinado a companheira de um deles, permanecia vivo, apesar da divulgação de sua morte em um acidente aéreo. A ação de acerto de contas, de vingança mesmo, se torna uma tragédia que não apenas ceifa a vida do velho torturador, mas também a de dois componentes do grupo, a prisão de um deles e o aumento da tortura psicológica do último que, provavelmente, também seria preso por participação no evento.

Além de trazer um ralo panorama sobre aqueles eventos trágicos que fizeram parte de um período sombrio da história nacional, por meio da história de vida daqueles amigos que se apresenta alternadamente entre os dias atuais e flashbacks de memória daquele período por eles vividos, o filme nos traz, de maneira sutil, os efeitos deletérios da anistia ampla e irrestrita acordada com as elites no momento da "redemocratização" do país. A Ação se converte assim em uma resposta ao que ficou aberto, inconcluso, não resolvido, ou seja, a não criminalização e punição objetiva aos crimes e criminosos da ditadura militar.

O debate que se seguiu, com o professor doutor Rodrigo Czajka, do DECISO/UFPR, trouxe muitas perguntas sobre o momento dramático vivido no Brasil atual, com a ascensão do fascismo e o apoio de boa parte da população à repressão, à eliminação do diferente, e ao autoritarismo. O Brasil atual é um campo fértil para a ascensão de um regime totalitário, de viés civil ou militar, haja vista as condições plantadas pela direita a partir dos eventos de 2013, e do golpe de 2016, com o objetivo de implantação de seu projeto político-econômico neoliberal.

Hoje, no Brasil, o programa de governo ou projeto de nação mais bem cotado nas pesquisas para ascender ao poder é um não-programa ou um não-projeto, sustentado nas entrelinhas na continuidade do projeto econômico golpista, e objetivamente apenas em discurso de ódio aos negros, aos índios, às mulheres, aos homossexuais, aos pobres e à diferença. Ora, a não punição aos crimes e criminosos de um regime ditatorial sangrento, como o regime e a ditadura militar vivenciado pelo Brasil entre '64 e '85, relativisa a sua ação criminosa, escancarando as portas para o seu retorno, tutelado ou não pela força militar, mas certamente tutelado pela população deseducada.

Recentemente, o consórcio criminoso firmado entre as bancadas da Bala, do Biblia e do Boi, recebeu elogios de um antigo diretor da organização racista e criminosa Ku Klux Klan, mas também alertas de provável rompimento com a Alemanha e, consequentemente, a União Europeia. Para aqueles que apostam no “novo”, não deixa de ser uma novidade a União de uma ultra direita fascista, com tempero tupiniquim, com o um projeto econômico ultra neoliberal. Aqueles que sobreviverem poderão avaliar o resultado de uma aventura tão perigosa...
 
O terceiro encontro do 3º Ciclo de Cinema e Direitos Humanos, que trouxe o documentário Memória para Uso Diário, com direção de Beth Formaggini, foi um grito e um apelo ao bom senso. O documentário traz uma série de depoimentos de pessoas que vivenciaram os horrores da ditadura militar no Brasil, e a busca por desaparecidos e reparação dos crimes perpetrados por aquele regime sanguinário, que assombrou e continua assombrando o Brasil até os dias atuais. O filme mescla depoimentos sobre os crimes cometidos pela ditadura e crimes cometidos pela polícia do estado democrático, guardiã do status quo e do poderio econômico, deixando claro que a prática de extermínio do oponente, ou do Outro, é uma prática que se perpetuou nos sistemas de repressão do estado, mesmo durante a chamada Nova República.

O debate nos trouxe fatos estarrecedores sobre o período do regime militar e da ditadura, provocado pelo doutor Olympio de Sá Sotto Maior Neto, do MPPR que provocou a audiência para um debate acalorado, carregado de afetos e apelos ao bom senso, tendo em vista o momento ímpar de nossa história política, às vésperas de uma eleição que pode colocar um nazifascista na presidência da República. Um dado extremamente estarrecedor, trazido durante o debate, foi a prática genocida, perpetrada no período ditadura militar, contra a nação índigena Xetá, para roubo de terra e favorecimento de grupo econômico. Boa parte da nação Xetá foi dizimada. Os índios eram levados em caminhões e desapareciam, aqueles que não aceitavam ser levados eram fuzilados e, perversamente, aos que ficaram para trás, foi fornecido alimento invenenado. E isso só tem um nome: genocídio! Além dos depoimentos sobre os centros de tortura no Paraná, dos quais o mais notório se encontrava em Foz do Iguaçu, soubesse também que pequenos fazendeiros também foram presos e torturados naquele período. Ou seja, a ditadura não apenas matou seus oponentes políticos, torturou e matou também aqueles que, de uma forma ou de outra, atrapalhavam os planos financeiros e econômicos de uma elite atrasada e selvagem.

O período de transição da ditadura militar para o regime democrático foi coroado com acordos obscuros de proteção aos criminosos daquele regime e de favorecimento das elites econômicas e corruptas que compuseram com o regime de exceção. A constituição de '88, que trouxe alguns avanços no campo social, jamais foi, de fato, respeitada pelos governos que se seguiram, como parte do acordo firmado para o fim da ditadura, que permaneceu ativa em suas formas repressivas, ligadas ao aparelho de estado. Quando ascendeu ao poder um governo de esquerda no país, que para tanto migrou para o centro, e tentou implementar o mínimo do que era previsto no texto constitucional, as elites se sublevaram, promovendo o golpe parlamentar de 2016, e trazendo de volta a sombra da ditadura militar, na figura do candidato de ultra direita que se apresenta como favorito nas eleições de 2018.

Sobre o fim abstrato do regime ditatorial que vigorou oficialmente entre '64 e '85, não posso deixar de lembrar que após essa data corte, durante um movimento grevista geral, por melhores condições de trabalho, salário e atendimento à população, passamos por uma situação que não fica em nada a dever aos momentos de repressão do período oficial da ditadura militar. Juntamente com alguns colegas, - não sei precisar exatamente quantos éramos! - em um piquete na porta da garagem central de ônibus, fomos surpreendidos pelas forças de repressão que nos torturaram psicologicamente e nos mantiveram sumidos durante um certo tempo, enquanto discutiam o que iriam fazer conosco. Fomos presos por volta de 11 horas da noite e chagamos ao nosso destino por volta de 04 horas da manhã, de acordo com o horário do relógio de parede do local onde ficamos detidos. Nesse meio tempo, rodamos em camburões por estradas de terra, dentro do mato, sem ter a mínima noção de onde estávamos. A técnica de tortura psicológica era a seguinte: a uma certa altura o camburão parava no meio do mato e éramos retirados aos solavancos, ao que pensávamos: é nosso fim! Mas, na verdade, apenas éramos dirigidos a outro camburão, que continuava a louca corrida. Lembro que tive que acalmar um colega, que começou a ter falta de ar, e coloquei sua cabeça próximo às frestas do carro, pedindo que ele respirasse com calma que tudo acabaria bem. Quando finalmente chegamos ao destino, estávamos tão atordoados que não lembro até hoje onde foi que descemos. Não fomos registrados nem fichados, mas apenas encaminhados a celas individuais e imundas, após subir uma escada e colocados em celas que circundavam um átrio. Alí ficamos, sem lençóis, sem comida, sem água. Deitávamos e acordávamos para gritar pelos companheiros, com o objetivo de saber se todos permaneciam ali. Lembro-me perfeitamente da cela com cama de cimento armado, ligada à parede e do vaso quebrado e sujo, e de ratos enormes que circulavam de quando em vez, atravessando a cela. Assim ficamos por um longo período! Só fomos registrados quando, não sei como, nos descobriram e um advogado do Partido dos Trabalhadores foi nos resgatar daquele sequestro.

Uma colega de trabalho, cujo marido era delegado e participou da operação, contou-me logo depois que, enquanto estávamos presos, três delegados discutiam e divergiam sobre o que fazer conosco. Havia em pauta uma ideia de eliminação, uma de espancamento e outra de apenas registro de ocorrência, por “não estarmos mais sob a ditadura militar”. Um dos delegados era um notoriamente conhecido psicopata que, segundo um colega de faculdade que com ele trabalhava me relatou, pouco tempo depois, era uma pessoa que ficava nervoso diariamente e dizia que isso se dava porque precisava matar uma pessoa por dia para se acalmar. Algum tempo depois esse cidadão sofreu uma atentado, e morreu por ferimentos de 77 balas de fusil. Esse cidadão, no momento da prisão, levantou-me com apenas um braço apenas, pela alça do macacão que eu usava e disse para mim: isso lá é roupa de homem! E, em seguida, me jogou no camburão.

É caros amigos, o risco que corremos hoje é incomensurável! Além de perder o arremedo de democracia que nos foi permitido alcançar, e que aos poucos já vimos perdendo desde 2016, com a possível eleição de um nazifascista oriundo do exército, corremos o risco de perder definitivamente nossos direitos, inclusive o direito sagrado à própria vida...

E como, sabiamente, já anunciou o professor Vladimir Safatle, os tanques já começam a se posicionar...e as manobras de bastidores do exército pululam por toda parte, só não vê quem, infelizmente, tem menos de dois neurônios, ou realmente não quer ver...

 
No último encontro do 3º Ciclo de Cinema e Direitos Humanos, assistimos o filme Iracema: Uma transa amazônica, com direção de Jorge Bodanzki e Orlando Senna. O filme, rodado durante a década de setenta, ganhou vários prêmios internacionais e só foi liberado pela censura em 1981, por ter sido entendido como uma publicidade negativa do Brasil pela Ditadura Militar. Há um jogo interessante na trama entre a realidade cruel daqueles anos (miséria, violência, desmatamento, comércio ilegal de madeira, trabalho escravo, prostituição juvenil, alienação popular tutelada pela religião e pelo exército, invasão estrangeira) e o discurso neoliberal que começava a se fazer presente naquela época.

Pode-se dizer que os personagens centrais da trama, apesar de supostamente ocuparem campos opostos na história, fazem parte do mesmo ufanismo vigente naqueles tempos. Ambos, cada um a seu modo, foram cooptados por discursos falsos de possibilidades e sucesso. Iracema, uma adolescente que sai do mato para se encantar e desencantar com a vida “civilizada”, e Tião Brasil Grande, caminhoneiro que tenta sobreviver acreditando na máxima neoliberal, que tomava corpo naquela época, de que esforço pessoal, e apenas, isso, era a chave para o sucesso. A película traz imagens da construção da Transamazônica, uma das obras faraônicas do período da ditadura militar, alardeada à época como o caminho para o progresso da região, em meio às mazelas, reais até os dias atuais, da miséria, da desigualdade e da repressão.

A história de Iracema, uma bela mestiça da terra, é a metáfora perfeita da pátria, hoje mais que nunca, em tempos de exposição explícita de suas víceras, tão des-amada, tão des-idolatrada, desnudada em sua sina servil. Iracema era bonita e se encantava com os brilhos que a seduziam. Prostituiu-se, e por aí tentou achar uma saída para sua existência. Pegou uma carona e pensou ter, finalmente, encontrado seu rumo para o amor e uma vida melhor. Enganou-se e foi abandonada. Largada na vida, foi novamente enganada, foi jogada na estrada, foi acusada e espancada, e foi provavelmente estuprada pela repressão. Alguém tentou lhe estender a mão, mas ela acreditava no seu algoz. Acreditava que não poderia fazer nada além daquilo que já fazia, porque era burra.

Enfim, Iracema não acreditava mais em si mesma. Assim, ela foi decaindo cada vez mais, perdeu um dente, ganhou cicatrizes e nela não se via mais um fio de dignidade. Reencontrou aquele que lhe havia jogado na estrada pela primeira vez, que a despeito da própria miséria ainda acreditava no sucesso pessoal, no esforço que constrói o futuro do pobre, e que lhe incutiu na cabeça a ideia de sua burrice. Reconheceram-se e ela quis mais uma vez seguir com ele, que a desdenhou. Ela lhe pediu dinheiro que ele negou, e seguiu em frente, com seu esforço na busca de um sucesso que jamais chegará. Iracema, na beira da estrada, o xingou muitas vezes...e riu, riu de simesma, do caminhoneiro e do Brasil.

Sim, Iracema é uma metáfora mais que perfeita de uma terra e de uma gente maltratada, humilhada, enganada, controlada e violentada tantas e tantas vezes, e que não acredita em si mesma, mas que vai se virando pela vida. Toda essa gente vai seguindo como pode, recorrendo sempre ao algoz, e rindo, rindo muito de si mesma...e elegendo Projetos que dão continuidade à desconstrução do Estado, da Seguridade Social, da Educação Pública, que rejeita a intelectualidade, acrescido de Violência contra as chamadas minorias, os Movimentos Sociais e os Trabalhadores.

Triste Brasil!


Sérgio Moab Amorim de Albuquerque - CRP 08/08067-7
Psicólogo / Psicanalista / Servidor Público
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quarta-feira, 5 de setembro de 2018

PENSANDO DIREITOS HUMANOS


A PARTIR DO 2º CICLO DE CINEMA E DIREITOS HUMANOS


Sobre o filme “Quando meus pais saíram de férias”.
Um excelente filme nacional que versa sobre um período tenebroso de nossa história, o período da ditadura militar. O diretor do filme trouxe para a tela, de forma magistral, pelo menos para mim, aquela mesma sensação de aparente calmaria que, os que não estavam diretamente envolvidos no conflito sentiam, enquanto vigorava a violência nos bastidores da vida nacional.
Na atualidade de nosso país, após o advento de mais um golpe de Estado instalado em território nacional, parece extremamente pertinente abordar sobre o regime de exceção instalado naquela época, já que o recrudescimento deste golpe pode nos arrastar a um novo período de grande violência. E isso já se faz sentir em eventos que pipocam aqui e acolá.

Sobre o filme "El Patrón", que versou sobre a escravidão moderna, pela ausência da proteção da Instituição do Direito na relação capital x trabalho.
Todos os elementos do trabalho escravo moderno estão presentes no filme, como a falta de um contrato formal, o confisco de documentação, o alojamento precário e inadequado, as agressões e o assédio moral, e as promessas que nunca são cumpridas.
No debate, que se seguiu à exibição do filme, entre as questões que chamaram a atenção, uma delas foi crucial para chegarmos à raiz, mais além das questões acima mencionadas, e diz respeito à forma de enfrentamento da situação. A pergunta nos depara com o perfil e a personalidade dos personagens, e nos indaga o porquê da manutenção daquela relação, aparentemente tão desfavorável para a parte mais fraca. Evidentemente, pode-se perceber que as condições impostas pelo contexto social e materiais que envolviam a vida do sujeito o obrigaram a se manter na situação desfavorável. Contudo, após o trágico desfecho, o personagem trabalhador retoma sua vida anterior, da qual pretendia escapar. E aqui nos vem imediatamente um questionamento do porquê não fez antes da tragédia anunciada.
A resposta a essa questão pode estar contida na despedida das dias famílias, e na pergunta efetuada pela mulher do advogado ao marido: “você percebeu que ele começou a te tratar como patrão?!” Mais ou menos isso. Ora neste caso, como em qualquer relação humana, uma espécie de sedução, onde o sujeito subserviente se oferece ao outro em sacrifício. A relação vingará, desde que o outro aceite a proposta mórbida, exatamente como aconteceu na relação com o Patrón. Constrói-se assim uma relação simbiótica, onde um é complemento do outro, respondendo a um desejo mórbido com desfecho previsto.
Essa situação nos leva a pensar no par clássico da psicanálise, a união sado-masoquista, onde um goza pela pele, no real, e o outro pelo olho, no imaginário. O desfecho nos traz a dimensão real e simbólica da tragédia, onde ambos sofrerão as consequências daquela simbiose mórbida, embora é possível afirmar que o o sádico, se pensarmos a vida como um bem precioso, foi quem mais perdeu, embora tenha conseguido chegar ao gozo supremo, qual seja a própria morte.
Mas, pensando na civilização, e a necessidade de manutenção da própria vida para sua preservação, voltamos à pergunta da audiência sobre qual a solução. E é a civilização e sua cultura que nos traz a resposta, pois a solução está na preservação, na manutenção, no aprimoramento e na defesa da instituição do direito e das Leis protetivas da pessoa e dos direitos humanos, por meio de um estado forte e interventor, com Leis trabalhistas protetivas, que deem conta da preservação do homem, este incorrigível predador, inclusive de si mesmo.

Sobre o filme "Terra Vermelha", de 2008.
Uma produção italiana que mostra, em diversos aspectos, a luta dos povos originais da terra nomeada Brasil pelos invasores portugueses para recuperar suas origens, sua dignidade e espaço na terra confiscada pelos invasores. O filme é riquíssimo nos detalhes de uma luta desigual e desumana, onde muitas vezes, a solução encontrada pela nação Kaiwá, para o conflito interno intrapsíquico que se instala em cada indivíduo, é vista no suicídio.
A parte central e mais emblemática do filme é quando o fazendeiro, acompanhado de um procurador de justiça, encara o chefe do clã que reivindica a terra de seus ancestrais, pega um punhado de terra e fala da presença na terra desde os seus avós. O chefe Kaiwá também pega um punhado de terra e a come, numa clara mensal ao pertencimento à terra e sua ancestralidade. Nesse momento, não há palavras a serem ditas.
No debate, a questão principal foi sobre o que fazer para resolver a questão desse martírio de 500 anos e o genocídio que se segue nos dias atuais. A terra foi invadida e está ocupada, hoje somos todxs filhos dessa terra, povos originais e descendentes desses e dos invasores. Portanto, a solução humana e possível é o respeito e a inclusão, e a reverência que precisamos fazer à nossa ancestralidade diversa. Os povos originais são nossos ancestrais tanto quanto os invasores portugueses e os migrantes que coloriram nossa nação, merecem respeito, reverência e temos muito a aprender mutuamente para, de fato, construirmos uma nação mais humana e inclusiva.

Sobre o filme "Linha de Passe", de Walter Salles e Daniela Thomas.
O filme versa sobre o dia a dia de sobrevivência de uma trabalhadora doméstica, grávida, e seus quatro filhos, jogando com o destino em meio à enorme desigualdade e exclusão, promovida por um sistema que, a cada nova jogada, aumenta o fosso social em um país com imensas riquezas.
A cada momento da trama é possível perceber o flerte dos personagens, empurrados pelo sistema, para a delinquência e a criminalidade, sustentados pela falta e injustiça social.
Um filme para refletir sobre o nosso papel como cidadãos diante da injustiça e da miséria, vetor incontestável para a delinquência e o crime.

Sobre o o filme "Quase Dois Irmãos".
Na obra, onde a trama se desenvolve em três períodos de nossa história, Antes do Golpe de '64, durante a Ditadura Militar e no dias atuais, dois personagens vivenciam a profunda desigualdade e o apartheid racial no Brasil de todos os tempos.
A trama, que conta a história do surgimento do Comando Vermelho na cidade do Rio de Janeiro, nos traz o momento de encontro daqueles que iniciaram essa organização criminosa com aqueles que lutavam por uma sociedade mais justa e contra a ditadura militar. Sugere-se que esse encontro, ocasionado pela não discriminação, por parte do governo militar, para o enquadramento na chamada Lei de Segurança Nacional, trouxe uma série de elementos da organização da resistência à ditadura para a organização criminosa.
O debate que se seguiu foi extremamente fecundo, conduzido pela doutora Camila Caldeira Nunes Dias, e nos trouxe, além da visão da guerra civil que se trava em nosso país, a grande pergunta de como enfrentar a questão da criminalidade e a enorme desigualdade e apartheid social que a gera.
A meu ver, a única solução para a questão das drogas, retratada no filme, é a assimilação do comércio pelo mercado, ou seja a legalização do uso e comercialização, com controle do Estado, e um grande investimento em saúde pública. Além disso, o combate à desigualdade é condição sine qua non para o combate e controle da criminalidade, de forma geral. Qualquer outra possível solução é apenas discurso vazio, e que tende a favorecer unicamente à elite que lucra com o tráfico e a sua ilegalidade, e a aumentar as estatísticas de mortes e a violência que, de forma esmagadora e absoluta, atinge, principalmente, as classes menos favorecidas.

Sobre o filme "Narradores de Javé".
Uma produção de 2005 que, com um leve toque de humor, traz reflexões importantes sobre direito à Memória e relações sociais e econômicas no mundo do sistema capitalista.
A história trata do conflito disseminado no seio de um povoado pobre, onde seus integrantes são todos analfabetos, às voltas com a invasão do sistema econômico que, para suas realizações capitalistas, precisa inundar a área onde foi edificado o povoado.
Os habitantes tentam reconstruir e registrar sua história como forma de defesa em relação a invasão, contudo o poder econômico é absoluto, e a ingenuidade e a fragilidade pueril dos membros da comunidade não permitiram o enfrentamento com tamanha força destrutiva.
A meu ver, o único membro do povoado que esboça uma certa capacidade de enfrentamento, e porque sua história o fez "perder o medo", é o personagem que atira nos engenheiros da empresa, mas logo é contido pelos demais moradores, seguidores servis de um mito redentor.
De qualquer forma, é importante lembrar a importância da Memória para se evitar tragédias humanas ocorridas na civilização que, sem essa memória, tem o potencial de se repetir com mais facilidade. Um exemplo clássico na história é o holocausto judeu durante a segunda guerra mundial, cuja memória tenta abafar as diversas tentativas espalhadas na civilização de reacender o que foi o nazifascismo para a humanidade

Sérgio Moab Amorim de Albuquerque - CRP 08/08067-7
Psicólogo / Psicanalista / Servidor Público
Formação em Gestão Estratégica de Pessoas / Abordagem Psicanalítica / Sociologia Política
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sexta-feira, 31 de agosto de 2018

UMA EXPERIÊNCIA POLÍTICA

Neste final de semana passado, tive a honra de participar de um encontro político de servidores da área do trabalho e da seguridade social e de, lamentavelmente naquela oportunidade, presenciar manobras atrozes, embora infinitamente menores do que aquelas que, por exemplo, envolvem e sempre envolveram as tentativas de desmonte da Petrobras ao longo de sua história de sucesso, mas com o mesmo e vil viés. Ou seja, o que se viu naqueles momentos de discussão acalorada, supostamente em benefício da categoria, foi uma disputa por espaços de poder, promovida pela chapa 3 (mudança e renovação), usando como motor dessa disputa a questão, já há muito tempo discutida e sem efetivo sucesso, da carreira do servidor do Seguro Social. Parece que a história do país se repete na singularidade da luta política dentro da Federação, onde a força legal de um estatuto pode ser considerada menor em face das aspirações políticas de alguns.

Uma postura manipuladora, oportunista e condutora de uma política criadora de castas, com o objetivo claro de barganhar espaço nos escombros do que pode restar do Estado de Bem-Estar Social, caso o projeto de Estado Mínimo Neoliberal seja completamente implantado em nosso país, pela canalha que promoveu e produziu o Golpe de 2016 e seus sucessores, é o que desfilou nas entrelinhas de certos discursos, cuidadosamente elaborados para assim não parecer. Essa é a experiência por mim vivenciada, em relação aos objetivos daquele grupo político naquele momento. O contexto de desmonte atual e os caminhos trilhados pelo chamado INSS Digital são aderentes à materialização desses objetivos, com a expulsão da maioria dos segurados para a iniciativa privada e a terceirização do atendimento da parte mais carente da população, que deverá se submeter à assistência do Estado. É esse nicho de assistência burocraticamente estabelecido no Estado, e apartado do contato com o povo, que aparece aos olhos desses companheiros como o ideal de trabalho a ser alcançado com uma carreira típica, com o status de servidores de nível superior, de acordo com os dois pontos pretendidos e defendidos para a referida carreira.

Ora, uma das questões mais importantes para entendermos aquele discurso, passa pelo entendimento do que seja uma carreira típica de Estado, e todas as implicações que disso decorrem. Há tempos, em uma oportunidade de uma palestra sobre Gestão por Competências, cheguei a declarar que nossa carreira era típica de Estado. O contexto àquela época era bem outro, pois havia uma clara inteção do governo à época no desenvolvimento do Estado de Bem-Estar Social brasileiro, onde uma carreira dentro da seguridade estaria inexoravelmente ligada ao Estado. O momento de desmonte pelo qual passamos aponta para a direção inversa, ou seja, para a desconstrução de nosso parco Estado de Bem-Estar e para a implantação do Estado Mínimo Neoliberal. Se há algum tipo de estímulo ou patrocínio a esses companheiros em direção à defesa de uma carreira típica nesse momento, há algo muito errado aí. Toda essa movimentação em torno da ideia de carreira típica de um Estado que está sendo desconstruído sugere que esses companheiros, de alguma forma, estão sendo ludibriados e usados na facilitação do processo da desconstrução institucional da Seguridade.

Todo esse processo que usa a tecnologia como fator de sustentação de suas ações, e tem na ideia de modernidade sua propaganda mais eficaz, aponta para a criação de uma casta de burocratas, analistas de processos administrativos, muito distantes da realidade social caótica na qual sempre estivemos mergulhados, produzida por um sistema perverso de apartheid social, e muito distantes da realidade vivida por parcela considerável do povo brasileiro, sobretudo após a adoção de medidas ultraneoliberais patrocinadas pelo governo golpista que assumiu os rumos da nação a partir de 2016.

Contudo, aqueles companheiros não devem ser discriminados por sua postura equivocada em relação ao povo e à classe trabalhadora, sua própria classe, pois, a exemplo de grande parte da população das classes médias desse país, possuem uma enorme dificuldade de se alinhar ao povo, preferindo se alinhar à elite, da qual sentem enorme admiração e inveja, tendo sido forjados na ideia do "self made man", que fomenta um individualismo exacerbado, e se caracteriza como um dos elementos mais importantes em todos os tempos da ideologia neoliberal.

Curitiba, 31 de agosto de 2018

Sérgio Moab Amorim de Albuquerque - CRP 08/08067-7
Psicólogo / Psicanalista / Servidor Público
Formação em Gestão Estratégica de Pessoas / Abordagem Psicanalítica / Sociologia Política
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quarta-feira, 18 de julho de 2018

MANIFESTO PÓS GOLPE

Povos da América Latina, do Caribe e do Mercosul, levantemo-nos!

Precisamos nos levantar, todos nós, povos espoliados e atacados em processos golpistas ou não, contra as investidas do capital internacional, ajudado pelas burguesias nacionais, subservientes e entreguistas, que o servem e o apoiam, que nos quer de joelhos a seu serviço. Desobedeçamos definitivamente a qualquer poder que não priorize o bem-estar do povo e a soberania nacional e regional.

A lição deixada pelos governos de esquerda e/ou centro esquerda que ascenderam nas últimas décadas na América Latina, alijados do poder em processos golpistas, como no caso de Honduras, Paraguay e Brasil, ou de manipulação de massas, como no caso da Argentina, Chile e Peru, e aqueles que ainda não cairam, mas podem cair a qualquer momento, é a de que temos direitos e podemos ter acesso a eles, e só não o conseguimos por que estes são negados ou roubados por uma burguesia maldita, criminosa e dependente, que do povo querem apenas o suor, a dor ou até mesmo a morte.

Façamos valer a frase atribuída ao Imperador Pedro I do Brasil, quando de sua "independência" de Portugal. Levantemo-nos contra a opressão, a miséria, a fome, a destruição dos direitos trabalhistas, da seguridade social (Previdência, Saúde e Assistência), da educação pública e do patrimônio público, e o jugo do sistema financeiro e do capital estrangeiro em nossas nações irmãs.

Não podemos permitir que destruam o MERCOSUL, a UNASUL, a UNILA, os BRICS e todos os mecanismos criados para nos fortalecer frente a sanha predatória voraz do capital internacional e do financismo, que pela globalização e o neoliberalismo, e como um cancro metastásico se espalha e destrói a todos nós. Lutemos pela União da América Latina e do Caribe, celeiro de espoliação desde sempre!

Liberdade e Democracia já!
Independência ou Morte!

Sérgio Moab Amorim de Albuquerque - CRP 08/08067-7
Psicólogo / Psicanalista / Servidor Público
Especialista em Gestão Estratégica de Pessoas / Abordagem Psicanalítica / Sociologia Política
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CARTA ABERTA AO POVO BRASILEIRO

Cidadãos brasileiros,

Vivemos um momento muito difícil em nosso País, onde um governo que não foi eleito pelo povo, e que não agrada a maior parte da população, haja vista seus apenas 3% (três por cento) de aprovação, procura retirar todas as proteções do povo e dos trabalhadores, conquistadas ao longo dos últimos sessenta anos.

Neste sentido, é preciso vir a público denunciar e esclarecer a população acerca do momento pelo qual estamos passando. É preciso que tomemos consciência do que está acontecendo no Brasil, de tudo que estamos perdendo e que vamos perder com este governo, que não é dos trabalhadores e nem a favor do povo brasileiro.
O objetivo deste governo é acabar com a saúde pública, transferindo para os planos privados os recursos públicos e a gestão da saúde pública, que a partir de então não será mais pública mas privada, administrada pelos planos de saúde. Nesse sentido o governo se reuniu com a FEBRAPLAN, no último dia 10/04, em Brasília, com o objetivo claro de extinguir a saúde pública no nosso país.

Com o objetivo de acabar com a assistência aos mais necessitados, reduziu a verba da assistência social em 95% (noventa e cinco por cento), numa ação criminosa contra a maioria da população carente deste país. Concomitante a isso, dificulta mais e mais o acesso aos benefícios da assistência social, administrados pelo INSS.

Como ainda não conseguiu fazer passar a reforma da previdência social, o governo ilegítimo se utiliza de mecanismos internos, no INSS, para sufocar o sistema previdenciário social, e forçar a saída e a migração do segurado para sistemas privados de previdência.

Além do ataque aos pilares da seguridade, ou seja, a Assistência Social, a Saúde Pública e a Previdência Social, o governo perverso do senhor Michel Temer avança sobre outras áreas que beneficiam a população desprovidade de recursos, como a educação pública, desde o ensino fundamental até as Universidades, com o objetivo muito claro de também privatiza-las e dificultar o acesso da população.

Todas as ações implementadas por este governo, como a reforma trabalhista, que retira direitos do trabalhador, até as reformas do ensino público e da seguridade social, tem o objetivo de destruir o pouco que a classe trabalhadora conseguiu conquistar nos últimos anos. Além disso, o congelamento dos gastos públicos por 20 (vinte) anos tem a função estratégica de sufocar as instituições públicas, facilitando a sua destruição.

Não é hora de ficar "parado com a boca escancarada e esperando a morte chegar", é hora de lutar e confrontar este governo que é contra a população brasileira e inimigo de todos os trabalhadores honestos e lutadores deste país!

Sérgio Moab Amorim de Albuquerque - CRP 08/08067-7
Psicólogo / Psicanalista / Servidor Público
Formação em Gestão Estratégica de Pessoas / Abordagem Psicanalítica / Sociologia Política
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