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quinta-feira, 28 de abril de 2016

PONTE PARA O INFERNO

No início dos anos 2000, em palestra proferida para servidores do INSS-Instituto Nacional do Seguro Social, no então Projeto NMG-Novo Modelo de Gestão, realizada na Associação dos Procuradores da Previdência Social, no DF, versei sobre a implantação do Projeto socioeconômico neoliberal e as perspectivas para o Estado de Bem-Estar Social, tendo em vista a vinculação clara desse projeto com as mudanças nas Políticas Públicas relacionadas à Seguridade Social, da qual faz parte o Seguro Social como política de Estado.

Naquela época, na efervescência das privatizações do então governo FHC, o que motivou a referida palestra foi a mudança significativa porque passava a Instituição em sua forma de administração, trazendo a lógica do gerenciamento privado para dentro da esfera pública. Segundo Bresser Pereira, uma mudança necessária para se evitar a privatização da Previdência Social à época.

A ascensão de um governo mais sensível à questão social frustrou, em certa medida, a implantação, no país, do projeto neoliberal na íntegra. Porém, por se tratar de um governo que se adaptou facilmente às exigências de setores mais à direita, favorecido pelo momento econômico propício, conseguiu promover um certo "entendimento" entre antagonismos históricos, favorecendo amplos setores da economia capitalista.

Por 12 anos, a política de inclusão de médio e longo prazos, com a instituição dos programas de bolsas e aquelas relacionadas ao acesso ao consumo de bens e serviços, propiciou uma ilusão de mudança inclusiva permanente no cenário nacional. Contudo, as recentes crises econômicas, com mudanças no cenário da economia global, e a possível miopia em relação às bases que sustentam a economia capitalista, e aqui se dá o direito ao princípio do contraditório a um governo dito de esquerda, apesar do evidente estlionato político por ele praticado em relação à direita, o arranjo humanitário passou a não ser mais aceito e tolerado por setores mais conservadores e sequiosos por lucro e poder, como o foi ao longo dos últimos anos.

A retomada da implantação do projeto neoliberal, tal como exposto na década de '90, está claramente explicitada no chamado Programa "Ponte para o Futuro", de um possível novo governo que venha a substituir o atual. Tal programa é a expressão exata da desconstrução do Estado de Bem-Estar Social, das políticas públicas e de amparo ao trabalhador, face à ganância e à sede voraz do sistema na apropriação do que Lacan chamou de Mais de Gozar do outro.

A tal ponte para o futuro que, em se vislumbrando a condição e o lugar do trabalhador no sistema, mas poderia ser chamada de ponte para o Hades – o inferno, do qual apenas Hércules, o semideus, conseguiu retornar, segundo a mitologia grega, ou Jesus, segundo as escrituras da religião católica apostólica romana, tendo em vista dar continuidade e sustentação à implantação do projeto socioeconômico neoliberal que, dentre outras ações previstas, estão a desregulamentação das leis do trabalho, que na prática é um ataque direto à CLT, e a reestruturação do Estado de Bem-Estar, por meio da redução da seguridade (saúde e previdência), e diminuição da máquina estatal, que na origem do projeto neoliberal passa a ser apenas uma célula de fomento legal do livre mercado. Na prática, está-se diante da conclusão do desmonte do Estado de Bem-Estar Social.

A proteção ao trabalhador e ao trabalho, nascida da crise capitalista no início do século XX, - e que ninguém se engane! - surgiu para proteção do capital e não do trabalhador, mas também expôs as fragilidades e a malevolência do sistema, e ensejou a necessidade de proteger o indivíduo da sanha de um sistema que, metonimicamente, reproduz o desejo de morte em relação ao outro da própria espécie. Desejo este que se traduz no campo econômico e social, pela necessidade de subtrair do outro, em forma de mais valia, o mais de gozo. Não podemos nos enganar que este sistema, enquanto forma sublimada, e sofisticada, de violência humana contra a própria espécie, não represente um avanço em relação às formas de apropriação violentas utilizadas por nossos ancestrais. Contudo, o seu descontrole pode nos custar muito caro, e já custa muito caro às massas de miseráveis espalhadas por toda a terra. Há importantes estudos nos campos da psicanálise, da sociologia e da antropologia que suportam essa tese. A obra dos antropólogos Richard Wrangham e Dale Peterson: O Macho Demoníaco - As origens da Agressividade Humana, faz uma análise interessante sobre algumas características comuns, relativas à violência contra a própria espécie, entre humanos e chimpanzés, nossos parentes mais próximos na escala filogenética, assim como as conclusões de Hannah Arendt sobre a "banalidade do mal", que além de por em nivelamento dois lados de um imenso confronto, nos faz pensar na relação perversa que sustenta, para além das aparências, a relação humana dentro dos mesmos grupos.

As recentes manifestações contra as mudanças na Lei do Trabalho, na França, sua perigosa abertura para negociação entre patrões e empregados sobre flexibilização da jornada de trabalho, sem a intervenção do estado, as crises econômicas em países europeus, com propostas de arrochos fiscais perversos por parte do bloco, a crescente migração humana dos conflitos nos países árabes, frutos de intervenções imperialistas de países do ocidente, e os golpes promovidos na América Latina, Honduras, Paraguay e a tentativa no Brasil, denotam a sanha do capital para se expandir e se consolidar hegemonicamente no mundo. Tal expansão foi favorecida após a desestruturação, arquitetada interna e externamente, para o bloco soviético que, de alguma forma, barrava o avanço do capital no mundo e sustentava, em uma certa medida, a manutenção dos Estados Nacionais de Bem-Estar Social.

O avanço do projeto econômico neoliberal, em todo o mundo, nos coloca frenta a frente com uma crise humana sem precedentes, até porque a população da terra tem crescido assustadoramente, e o aumento do fosso entre os muito ricos e os miseráveis, é um prenúncio de grandes, crescentes e recorrentes conflitos, de massacres de proporções épicas, com o aumento da fome e da exclusão, ou de um desastre de proporções ainda maiores. Recentemente, pelas bandas de cá, uma declaração assustadora de um membro da FIESP, de que o empregado poderia apertar um parafuso com uma mão e comer um sanduiche com a outra, e assim não precisaria de horário de almoço, dá a medida exata dessa nova relação entre capital e trabalho que se busca.

No Brasil, em suma, o que significa a retomada sem freios do projeto neoliberal? Significa a destruição gradativa de todas as conquistas sociais, implementadas no país, a partir da década de 30 do século passado. Independentemente da administração pífia e comprometida com o grande capital, a saída do governo atual escancara, definitivamente, as portas para a passagem, no Brasil, de um Estado de Direitos Sociais para um Estado de Direita absoluto, comprometido apenas com o Deus Mercado.


Sérgio Moab Amorim de Albuquerque - CRP 08/08067-7
Psicólogo / Psicanalista / Servidor Público
Formação em Gestão Estratégica de Pessoas / Abordagem Psicanalítica / Sociologia Política
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