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domingo, 22 de maio de 2022

O VIVARTISMO, OU O LEVANTE PERMANENTE DOS OPRIMIDOS DAS ARTES ALAGOANAS


É inadvertido ver o vivartismo, enquanto movimento, como um fracasso. Mesmo o Grupo Vivarte (1984-85), que lhe empresta o nome, e que, como qualquer movimento, teve um começo, um meio e um fim, jamais poderá ser considerado um fracasso. O Grupo Vivarte aconteceu, assim como as Mostras Alternativas  das "Cruzadas Plásticas", e/ou qualquer outro evento que busque romper a couraça do conservadorismo alagoano, porque o vivartismo viceja nas rachaduras do poder opressor. Nessa análise comparativa com a Semana de Arte Moderna de 1922, esquece-se os contextos sócio-histórico e econômico daquela e, principalmente, esquece-se do mais além, relativo a todo e qualquer movimento na civilização e cultura humanas.

E por falar em mais além, não se pode esquecer um dos eventos mais icônicos do movimento vivartista que foi o lançamento da Cruzada Plástica (catálogo amarelo) que ocupou toda a edificação do belíssimo Teatro Deodoro, no centro de Maceió. Naquele evento, ao qual estive presente, pôde-se comprovar a grandeza da organização e da produção do evento, e a sua importância para a “pacata” e taciturna capital das Alagoas. Um misto de espanto e êxtase tomou conta de todos os espectadores e espectadoras, e com certeza estou projetando minha própria visão, acostumada com as águas mornas e insossas da cultura local.

A Semana de 1922, surgida na pauliceia desvairada, onde havia e continua havendo uma grande circulação de capitais, onde os envolvidos naquele movimento pertenciam à pequena burguesia, e cujo poder local se esforçava para se antenar com o mundo exterior. Não é um dado irrelevante o fato de que determinado participante da semana de 22 não pode participar presencialmente da semana de 22 porque, na época, estava em Paris. Então, são fatos que corroboram, em certa medida, a amplitude e a abrangência da semana de 22 no Brasil.

O vivartismo, por sua vez, alagoano-caeté, e por ser caeté já nasceu assassinado, é um movimento que está para muito além da questão das artes plásticas. Pelo menos, essa é a percepção que tive na época, e que tenho ainda hoje. Eu diria até que o “fracasso” do vivartismo  é exatamente a sua vitória, porque enquanto movimento contestador de um conservadorismo radical, ele não poderia ter melhor destino, ou seja, a sua tentativa de apagamento no fio dos anos, e foram diversas tentativas, denuncia esse conservadorismo. Eu não tenho a menor dúvida, ou mesmo o menor pudor, em considerar o conservadorismo alagoano como algo tão radical, a ponto de transformar um movimento contestador, na estética de um fracasso plástico. O vivartismo é, portanto, uma denúncia radical de um conservadorismo radical que viceja naquela terra paradisíaca chamada Alagoas.

Num momento tão crucial de nosso país é interessante se pensar, não só o Vivartismo, mas todo e qualquer movimento que denuncie a opressão e o totalitarismo. Neste momento, relembramos os 200 anos de uma independência que jamais o foi de fato, ou que não nos tirou absolutamente da dependência do grande capital internacional. Tentativas houve, mas foram todas extirpadas pelo poder conservador de uma elite emocionalmente dependente do mundo exterior, e que mantem a ocupação predatória que fundou o país há 522 anos. É, portanto, uma independência bastante relativa, apesar desses 200 anos. A semana de 22, enquanto movimento contestador, que balançou toda a cultura nacional, e também está para muito além da questão das artes plásticas e da literatura, completa 100 anos, e assim como o vivartismo o foi e o é, até os dias atuais, movimento contestatório do conservadorismo.

No Brasil, hoje, vive-se um momento crucial de enfrentamento a esse conservadorismo, ou mais que isso, enfrentamento de forças neofascistas que trabalham para o embotamento da cultura, das artes, da ciência, da intelectualidade, e de qualquer pensamento libertário. E esses três eventos, que são três movimentos culturais na busca pela liberdade convergem hoje, e é de grande importância se falar e se pensar e repensar todos eles, como bandeira e como forma de enfrentamento desse conservadorismo que é destruidor de liberdade, e de qualquer movimento que aponte para a igualdade e a fraternidade, fazendo um link com os ideais burgueses trazidos pela Revolução Francesa, e que por sinal também jamais foram alcançados pela cultura humana.

O vivartismo é importante, não apenas pela sua busca de renovação nas artes plásticas, mas pelo seu enfrentamento ao conservadorismo radical que um dia dizimou os Caetés. Ele é, muito antes do chamado Grupo Vivarte, e ele será sempre, enquanto houver possibilidades de rasgos na imensa couraça produzida e mantida pela velha senhora para conservar seu status quo e sua dominação sobre os filhos da terra que, por ventura, ousarem contestá-la. Não esqueçamos que os primeiros filhos dessa velha senhora foram, todos, eliminados a mando de sua madrasta, Maria I. E que assim, inaugurou-se uma espécie de genocídio estatal, que nos remete ao mito de Chronos, que engolia seus filhos ao nascer, temendo que estes lhe tomassem o poder.

Mas, como não é possível entender qualquer ação no presente sem buscar na história suas raízes, e como já citamos o genocídio Caeté, vamos dar outro salto para trás, um salto bem grande no tempo, até os fatos que propiciaram a transformação dos alagados do sul da capitania de Pernambuco no atual Estado de Alagoas. O fato que antecedeu a emancipação do Estado de Alagoas foi um movimento revoltoso e contestatório, surgido na então Capitania de Pernambuco, contra as altas taxas de impostos cobradas pela coroa portuguesa. Pois bem, foram os latifundiários dos alagados do sul, atual localização do Estado de Alagoas, que, ao se posicionarem ao lado da coroa portuguesa, em detrimento da contestação dos revoltosos da Capitania, receberam como prêmio a sua independência e a sua emancipação daquela capitania. E assim nasceu, de direito, a partir de uma traição ao povo, a velha senhora Alagoas, cheirando a delicioso melado, ou a nauseante vinhoto no seu íntimo, ou a sargaço e sal, a depender da perspectiva com que se a mire.

Em se tratando de conservadorismo e mão de ferro da oligarquia alagoana, também não é possível esquecer que dois marechais do exército, braço armado do Estado brasileiro, oriundos da Velha Senhora, inauguraram, com um golpe de Estado militar, a nossa República, e que a partir de então, esse braço armado tem, há pelo menos 133 anos, ora assumido o protagonismo de nossa “democracia”, ora tutelado a mesma. Mão de ferro alagoana que se fez presente no sul do país, quando para “mostrar quem manda”, Floriano Peixoto renomeou a Vila de Nossa Senhora do Desterro em Florianópolis, após abafar uma revolta local. Mas a resposta ao ditador veio muito tempo depois de forma artística e floral, quando se começou a chamar extraoficialmente a “sua” cidade de Floripa. Tenho absoluta certeza de que Floriano, o chamado marechal de ferro, não aprovaria esse apelido para si.

O texto em questão nos traz bastante curiosidades, algumas inéditas para mim, sobre este alagoano que não é apenas um contestador, nem mesmo apenas um anatomista, mas um corajoso e atento observador da fisiologia do conservadorismo local, conservadorismo esse que se renova a cada dia para que as coisas permaneçam sempre as mesmas. Conservadorismo radical, onde as mudanças, por mais relevantes que possam ser, continuem sendo fracassadas, e onde o mesmo poder econômico opressor seja, mesmo que não seja mais. Ou pior ainda, que seus representantes sejam sem jamais ter sido.

Imagem: Foto de uma representação pictórica Grupo Vivarte (1984-85) reunido, produzida em 1985-86 (?), por Maria Amélia Viera, líder do grupo. O crédito desta foto é de Celso Brandão. A técnica do quadro é mista: acrílica s/papel e colagem.

Sérgio Moab Amorim de Albuquerque - CRP 08/08067-7

Psicólogo Clinico e Institucional
Formação em Abordagem Psicanalítica, Sociologia Política & Gestão Estratégica de Pessoas

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